Mulheres, de roupas de banho e rostos escondidos por chapéus, entram em prédio na Tijuca. Rio teve 5,3 mil furtos a residência desde 2018; E o bairro está no topo da lista.

O negócio parece ser tão rentável que a polícia investiga a adesão de criminosos estrangeiros aos bandos

Por O Globo

RIO — Duas mulheres com roupas de banho entram tranquilamente pelo portão da frente de um prédio residencial, na Tijuca . Depois de um tempo, deixam o local sem serem incomodadas. Mas elas não são moradoras. São suspeitas de terem realizado pelo menos outros três furtos em apartamentos de Ipanema , Leblon e Barra .

Elas fazem parte de um tipo de quadrilha que se espalha pela cidade, cujos integrantes, sempre bem-vestidos e com celulares no ouvido — ardil para evitar porteiros — , conseguem, sem chamar atenção, invadir apartamentos na ausência dos moradores.

Um levantamento feito pelo Instituto de Segurança Pública do Rio ( ISP ), a pedido do GLOBO, mostra que esse tipo de crime, que não é divulgado nas estatísticas oficiais, cresceu 11,6% entre janeiro e março deste ano, em relação ao mesmo período de 2018, passando 1.075 para 1.204 casos. O negócio parece ser tão rentável que a polícia investiga a adesão de criminosos estrangeiros aos bandos.

As estatísticas do ISP mostram que o desafio é grande: entre janeiro de 2018 e março deste ano, foram nada menos que 5.311 furtos no interior de residências, somente na capital. Com base nesses dados, é possível fazer uma “radiografia” das áreas preferidas dos “gatunos”. A Tijuca, de acordo com os números, foi o bairro mais visado, com 258 furtos. Em seguida, aparece Campo Grande, com 171 ocorrências, e Recreio, com 155. Na Zona Sul, Copacabana foi o preferido dos criminosos, com 130 registros.

Embora seja um crime cometido sem violência ou grave ameaça, o furto em residências pode ser bem traumático e trazer enormes prejuízos às suas vítimas. Foi o caso de uma moradora de Ipanema, que, em junho passado, deu de cara com duas ladras dentro de seu quarto, como revelou Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO.

“Levaram joias e dinheiro. Desde então, passei a ter muito medo”

MORADORA DE IPANEMA

Vítima de furto em seu apartamento

— Primeiro, pensei que havia esquecido a luz acesa, mas logo percebi a presença de ladrões. Saí correndo pelas escadas para avisar o porteiro. Nesse momento, as duas fugiram pelo corredor. Levaram joias e dinheiro. Desde então, passei a ter muito medo — contou a moradora.

As duas ladras pareciam conhecer os “pontos cegos” do prédio, que não eram captados pelas câmeras de segurança. Para esconder seus rostos vestiam chapéus de aba larga, que combinavam com as roupas de banho. Os acessórios foram os mesmos utilizados em outro furto, na Rua General Roca, na Tijuca. Lá, a dupla também não teve qualquer dificuldade para invadir o prédio. A exemplo de Ipanema, as duas entraram num apartamento que estava vazio para roubar joias.

“Existe um certo preconceito em se imaginar que pessoas bem-vestidas são sempre bem-intencionadas. A regra tem que ser a mesma para qualquer pessoa estranha ao local”

CRISTIANA BENTO

Delegada da 19ª DP

— Existe um certo preconceito em se imaginar que pessoas bem-vestidas são sempre bem-intencionadas. A regra tem que ser a mesma para qualquer pessoa estranha ao local. Só pode entrar quem estiver identificado e autorizado pelos moradores — alerta a delegada Cristiana Bento, da 19ª DP (Tijuca).

A equipe da delegacia identificou, nos últimos meses, pelo menos 20 pessoas que praticam roubos e furtos em residência ou interior de condomínios. Alguns já foram presos e libertados inúmeras vezes, como um homem que, depois de 24 furtos, foi preso pela sexta vez. Enquanto alguns fingem ser visitantes, outros simulam ser prestadores de serviço ou entregadores.

A GEOGRAFIA DO CRIME
De janeiro de 2018 a março de 2019 foram registrados 5.312 furtos a residência na cidade.

 

Ladrões estrangeiros e de outros estados, diz delegado
Para o delegado Antenor Lopes, da 14ª DP (Lebon), que também investiga as duas assaltantes de Ipanema e um casal que praticou um outro furto no bairro, um dos principais problemas é a legislação já que pessoas flagradas praticando furtos não permanecem presas:

— Mesmo quando presas em flagrante, elas sabem que vão sair na audiência de custódia, que não pagarão por isto. Isso acaba fomentando o crime. Há inclusive estrangeiros e ladrões de outros estados, de São Paulo, que vêm agir aqui porque será mais difícil identificá-los.

Só este ano, o serviço de 190 da Polícia Militar registrou 333 chamadas sobre furtos em residências, a maioria na Tijuca (37) e Méier (36). Segundo o coronel Mauro Fliess, relações-públicas da PM, o furto a residência é um crime mais difícil de se prevenir com policiamento ostensivo. A corporação oferece nos batalhões cursos de segurança para porteiros, síndicos e até moradores.