Claudia ocupa o posto de Primeira Bailarina do Theatro Municipal, do RJ – Foto: Carlos Villamayor/Divulgação

Cláudia Mota é funcionária do local desde 1996

Por O Globo

Durante o ano passado, o público assistiu com tristeza à mobilização pública em torno do Teatro Municipal, que tem passado por dificuldades em decorrência dos problemas financeiros enfrentados pelo governo do estado. Salários de funcionários administrativos e artistas constantemente atrasados e problemas de infraestrutura fizeram o tradicional espaço, inaugurado em 1909, sofrer com paralisações no seu cotidiano e com adiamentos de espetáculos. Em meio a esse contratempo, uma bailarina tijucana ganhava destaque por sua força de vontade e amor à instituição, da qual é funcionária desde 1996.

Claudia Mota, primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio, botou a boca no trombone junto com seus colegas, indo às ruas protestar contra o descaso com o teatro, engrossando um movimento que ficou conhecido como SOS Teatro Municipal. A atitude rendeu à tijucana este ano o título de Embaixadora da Cidade do Rio nas áreas de turismo e cultura.

Segundo Claudia, a história do Teatro Municipal se confunde com a sua própria trajetória de vida. Aos 8 anos, ela começou a estudar balé na Escola Estadual de Dança Maria Olenewa (celeiro de profissionais do ramo, a unidade fica dentro do Municipal). Lá ela conheceu, há oito anos, o seu marido, primeiro solista do teatro; e, desde 2007, tornou-se a primeira bailarina da casa.

— Tudo o que tenho hoje, eu devo ao Municipal. Naquele momento, ele precisava de mim. Eu me doei 100% à causa. Conseguimos no SOS arrecadar cestas básicas e doações em dinheiro para os funcionários poderem ter, ao menos, dignidade — revela. — Eu recusei um trabalho importantíssimo no exterior para me apresentar num espetáculo a fim de arrecadar fundos para os funcionários que estavam sem receber, no aniversário de 108 anos. Foi muito emocionante, um dos episódios mais simbólicos que eu vivi. A entrada era aberta ao público e ficou lotado, com gente na porta — conta ela.

No aniversário deste ano, em 14 de julho, o cenário era outro; a comemoração foi tranquila, com os salários normalizados desde fevereiro. Foram feitas diversas apresentações de todos os corpos artísticos (orquestra sinfônica, coro e corpo de baile).

— Foi especial, um parabéns para todos que se empenharam para que pudéssemos voltar com dignidade. Tivemos o que comemorar, já que ano passado não houve essa oportunidade — diz ela.

Este mês, o corpo de baile voltou, após um ano, a montar um espetáculo inédito com o “Joias do ballet”, reunindo três obras de célebres coreógrafos russos criadas durante os séculos XIX e XX.

— O retorno é uma data muito importante para todos nós, artistas e funcionários desse grande teatro — revela Claudia. — Somos a única companhia clássica do Brasil, e isso muito nos orgulha.

Domingo a companhia se apresenta no Masp , em São Paulo, com a montagem de dois balés russos: “A morte do cisne” e “Raymonda”.

— Sabemos que a crise no estado não foi sanada de vez, então por isso estamos com os pés no chão. A ideia é não esbanjar muito, ser conciso, porém, sem perder o brilho — explica ela.

Claudia agradece a quem ajudou durante a crise.

— Sem dúvida, esse foi o pior momento da centenária história do Municipal. Muita gente aproveitou para questionar os artistas, dizendo que isso não era profissão. Todos temos família e tivemos que estudar e nos aperfeiçoar muito para estar aqui. Não queremos voltar a viver isso nunca mais, pois foi tirada nossa dignidade, não só como artistas, mas como seres humanos — afirma a primeira bailarina.

Mesmo durante a crise, ela continuou investindo em projetos paralelos. Tanto que, no próximo carnaval, Claudia assina a coreografia da comissão de frente do Império Serrano.