Nos últimos 15 dias, ela teve dois celulares roubados e foi agredida em Ipanema

Natália Deskow Lacombe foi ferida na barriga e no braço - Pablo Jacob / Agência O Globo

A artista e figurinista Natália Deskow Lacombe, de 27 anos, disse nesta quarta-feira que pensa em deixar o Brasil até o fim do ano, após ter sido vítima de três ataques nos últimos 15 dias. A jovem, que foi esfaqueada no fim da tarde desta terça-feira, próximo ao Shopping Tijuca, na Zona Norte do Rio, teve outro aparelho roubado no bairro há 15 dias. Ela também contou que retirou quatro pontos da testa no último domingo, dia 31 de maio, após ter sofrido agressão de um grupo homofóbico na Glória, na Zona Sul, que a confundiu com um jovem homossexual.

Nesta terça-feira, Natália recebeu três facadas após ter o novo celular roubado. Ela registrou o caso na 19ª DP (Tijuca). Na manhã desta quarta-feira, a Polícia Civil informou que imagens de câmeras de segurança das vias foram requisitadas e que agentes estão em diligências nas ruas em busca de testemunhas.

— Eu voltava de um estúdio de tatuagem e tinha acabado de sair da estação do metrô do Maracanã. Quando estava entre o Maracanã e a Uerj, meu celular tocou e o retirei do bolso para atendê-lo. De repente, sem anunciar o assalto, uma criança de aproximadamente 8 anos me golpeou na mão com uma faca — disse.

A jovem disse que ficou perplexa com o tamanho do menor, e que, por impulso e com sensação de impotência, correu atrás dele. Mais à frente, dois outros adolescentes — um de 12 e outro de cerca de 16 anos — a cercaram. Ela recebeu mais duas facadas na região lateral da barriga.

— Estava com adrenalina alta, não tinha visto a gravidade do corte na minha mão. Logo quando corri atrás dele, os outros dois entraram na minha frente mandando que eu deixasse o menor em paz. O tamanho daquela criança é algo que ficou muito marcado na minha memória. Quando reclamei que ele havia roubado minha carteira e celular, me deram mais duas facadas e correram — disse ela, que precisou tomar nove pontos.

A artista conta que conseguiu se arrastar até a porta do Shopping Tijuca, onde, já bastante debilitada devido à perda de sangue, conseguiu ser socorrida.

— Fui para o Hospital do Andaraí, tomei os pontos, e depois fui à delegacia registrar a queixa. Um dos inspetores disse que havia outras ocorrências semelhantes e perguntou se eu poderia reconhecer, por foto, os autores do crime. Talvez eu faça isso ainda nesta quarta-feira, pois fui informada de que uma equipe de policiais está na rua fotografando alguns adolescentes que agem no entorno do Maracanã. Mas, sinceramente, estou descrente. Vou reconhecer, ele será levado para um centro social, e logo depois será liberado para voltar a praticar os mesmos crimes. É isso que vai acontecer — disse a jovem frustrada.

Natália contou que ainda sente fortes dores e que teve que tomar vacina antitetânica. Ela disse que deverá deixar de vez o Rio no fim do ano, quando se mudará para Berlim, na Alemanha, para cursar um mestrado.

— Voltar por quê? Vamos analisar meus últimos 15 dias no Rio. Primeiro tive o celular roubado. Depois fui agredida por um grupo homofóbico, apesar de ser heterossexual, só porque tenho o cabelo curto e uso roupas mais alternativas. Acharam que eu era um menino e começaram a me seguir me chamando de gay. Como não respondi e ignorei com medo de dizer que era mulher, eles me jogaram no chão, e eu sofri um corte na cabeça, desmaiei logo em seguida. Agora, depois de tirar os pontos, sou esfaqueada. O que acontecerá numa próxima vez? Serei morta? — questionou.

Natália critica ainda a violência gratuita que tem sido frequente nos assaltos:

— Como trabalho com moda e pós-graduada na área, fiquei pensando em um monte de alternativas, como fazer uma capa de celular que prenda o aparelho no pulso, e por aí vai. Mas percebo que a questão da violência é algo maior do que o celular. O problema não é mais o celular, e sim a agressão gratuita. A intenção, além de roubar o celular, é também agredir, machucar e até matar as pessoas. Primeiro esfaqueiam para depois tentarem roubar. A vida no Rio não está valendo mais nada, e o sentimento que paira nesta cidade é o de ódio, revolta e medo, em todas as esferas da sociedade — disse Natália.

Sobre a escolha de ir para Berlim, Natália alegou que está cansada de ser vítima da violência urbana e que não vê a lei de redução da maioridade penal como uma solução, justamente por ter sido esfaqueada por uma criança.

— Estou triste, pois trabalho com figurino de carnaval. Tenho amigos gringos que amam o Rio, e eu nunca fui uma pessoa de difamar a cidade, que tanto amo, mas que de maravilhosa já não tem mais nada. Infelizmente, o Rio de Janeiro não é mais uma cidade que acena para receber as pessoas com garantias de direito e segurança. Daqui a pouco, os hospitais vão me dar uma carteirinha de cliente do ano. Quando fui fazer os exames no IML (Instituto Médico-Legal), a moça me olhou e disse que artistas costumam ter semblantes tristes. Eu respondi que ela estava errada, que artistas são felizes, e que o meu semblante era de quem estava cansada de ser vítima de violência nesta cidade.

A figurinista acrescentou que, agora, precisa se reerguer e tentar seguir adiante. No entanto, ela considerou que o Brasil deve aprender com países como os Estados Unidos, em termos de legislação e tratamento de adolescentes infratores.

— Nos Estados Unidos, se uma criança pega uma arma e mata alguém, ela pode ter apenas 5 anos, que vai receber 30, 40, 50 anos de prisão, assim como um adulto, dependendo do delito. A diferença é que ela fica presa num centro de detenção de menores e passa para o regime prisional comum quando atinge a maioridade, para dar continuidade à pena. No Brasil não. Ela vai para um centro de detenção de menores e um juiz a libera alguns dias depois. E, ao completar 18 anos, sua ficha está limpa. Como acreditar num sistema que só favorece a impunidade? Gosto do Rio, mas não quero esperar para morrer na cidade que tanto amo.

 

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