Afogado em dívidas, com sua sede interditada pela Defesa Civil, e ameaçado por pedidos de leilão, o clube agoniza. Mas consegue reunir sua última reserva associativa

Fonte por Marcelo Baumann Burgos para Jornal O Globo

A simbiose entre o principal bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro e o América Football Club, capturada no belo livro “Tijucamérica”, de José Trajano, é um dos capítulos mais interessantes da história desta cidade. Do início do século XX até a década de 1970, não havia uma família moradora da Tijuca e de bairros do entorno que não tenha sido tocada pela vida social e desportiva do clube.

Amizades, casamentos, iniciação no esporte, bailes, espetáculos teatrais, são muitos os momentos da vida cotidiana da região que se confundem com a presença do América. E seu time envergava, com sua camisa vermelha, um modo de vida e uma identidade. O imortal Marques Rebelo, entusiasmado com o título de campeão da Guanabara, em 1960, exaltou esta relação umbilical: “Ó ruas do meu bairro natal, ó ruas da Zona Norte inteira, (…) noite primeira de uma nova etapa da vida rubra”.

Mas a decadência da Zona Norte, resultado de um processo político e econômico que guarda relação com a expansão da Barra da Tijuca, e a incapacidade do América de fazer frente aos efeitos desse processo, foram minando as condições de existência do clube e esvaziando sua vida associativa. E agora tal processo chega ao seu epílogo, que, no entanto, poderá ser o início de uma nova história. Afogado em dívidas, com sua sede interditada pela Defesa Civil, e ameaçado por insistentes pedidos de leilão, o clube agoniza. Ainda assim, consegue reunir sua última reserva associativa, para tentar mudar a rota que ameaça levá-lo à extinção.

Em 2014, sua diretoria convocou a cidade para um ato público no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, apresentando a proposta de reconstrução do clube. A partir de então, inicia-se a estruturação de um modelo de negócio capaz de assegurar que, sem vender um milímetro de seu patrimônio, o clube viabilizasse a construção de uma nova sede, e a geração de receita para honrar suas dívidas e formar atletas. Conclui-se que o único empreendimento que atende a esses objetivos é a construção de uma nova sede articulada a um shopping center. Mas, para isso, faz-se necessária a alteração do gabarito do terreno do clube. Coube à Secretaria municipal de Urbanismo preparar um projeto de lei pautado pela responsabilidade urbanística, compatível com as exigências da qualidade de vida da região. Desde meados de 2016, o projeto de lei tramitou na Câmara de Vereadores, onde acaba de ser aprovado por unanimidade.

Assim, nada mais simbólico que no momento em que a cidade sai do ciclo olímpico e que busca um novo projeto de futuro, esteja em curso a redefinição do destino de um clube que, por sua história e importância cultural, é um elo com seu passado. De fato, a simbiose entre o América e o bairro que é o portal de toda a Zona Norte é tão forte, que a oportunidade de reconstrução do clube bem poderá ser encarada como o início de um novo ciclo de desenvolvimento para essa região. E certamente sob as bênçãos de Lamartine Babo, Noel Rosa, Tim Maia, Villa-Lobos, e tantos outros nomes da cultura carioca que viveram na Zona Norte torcendo pelo time cuja “cor do pavilhão é a cor do nosso coração”.

Veja essa e outras matérias no Caderno Grande do NaTijuca.com