Arborizado, bairro sofre a cada ventania mais forte ou chuva

Fonte por Maurício Peixoto para Jornal O Globo

Era uma noite de domingo, a do último dia 20. O temporal com rajadas de vento em vários bairros do Rio deixou o Grajaú, em especial, sem energia elétrica por mais de cinco horas. Em meio à escuridão, árvores e postes caídos no chão, fiações arrebentadas e soltas davam ao local um cenário de caos. O que parece um caso isolado é, ao contrário, um problema crônico que se repete a cada ventania ou chuva mais forte. Isso porque o bairro é um dos mais arborizados da cidade, e os galhos dos vegetais estão sempre próximos à fiação elétrica aérea, ocasionando atrito e um consequente rompimento dos fios.

Moradores se queixam e cobram a instalação de fios subterrâneos no bairro. Alegam que os problemas decorrentes da fiação aérea vão além da falta de luz após os episódios de temporal e as consequências não se resumem a danos como o fechamento do comércio ou a perda de aparelhos eletrodomésticos, por exemplo. No bairro desde 1948, o arquiteto urbanista Giuseppe Badolato, de 83 anos, diz que a rede aérea é “o grande vilão do Grajaú” e ressalta que a poda inadequada afeta o paisagismo e o urbanismo do centenário bairro projetado.

— Em cem anos, as árvores cresceram e suas copas atingiram a fiação. Aqui fazem o que chamo de “poda desastrosa”. São cortados apenas os galhos que afetam a rede e do outro lado não, havendo um desequilíbrio da copada, que provoca uma inclinação das árvores. Aos poucos as raízes saem do chão, devido a esse desequilíbrio, arrebentando o calçamento, e causando vazamentos de esgoto e água. A árvore inclinada também cria zonas de escuridão, isto é, tampa as lâmpadas. Além disso, essas podas retiram um corredor contínuo de sombra, o que antigamente era muito comum no bairro, reduzindo o seu ar aprazível — explica o arquiteto. — Sem contar, é claro, com o problema mais visível aos olhos dos leigos: os apagões sistemáticos que trazem todo tipo de transtorno e prejuízos, da queima de aparelhos ao não funcionamento do comércio e de outros serviços importantes, entre hospitais e escolas.

Cansado de conviver com o problema há décadas, Badolato chegou a enviar à prefeitura e à Light, em 2011 e 2015, um estudo elaborado por ele, pedindo a instalação da rede elétrica subterrânea o mais rápido possível. A iniciativa não surtiu efeito.

— Fiz um trabalho consistente, com fotos, detalhes e explicações técnicas. Não houve retorno nem interesse do poder público, mas é preciso que os moradores daqui se unam e não desistam de cobrar essa demanda. Em bairros mais novos da cidade ou mesmo na vizinha Tijuca, a fiação subterrânea é uma realidade. A Light precisa ouvir a nossa demanda e apresentar uma alternativa técnica que solucione o problema em definitivo, permitindo, dessa forma, que a prefeitura faça uma remodelação das calçadas e uma reconstituição adequada da arborização — acredita Badolato, que já perdeu eletrodomésticos devido aos picos de energia.

O arquiteto acrescenta: o investimento na fiação subterrânea é alto, mas o retorno a médio prazo é certo.

— A cada semana a Light é chamada por problemas em postes e na fiação. Sem dúvida seria um benefício muito grande investir nessa substituição, tanto para eles quanto para nós. O Grajaú pode se tornar um modelo para outros bairros — acredita.

Na Avenida Júlio Furtado, próximo à esquina com a Rua Professor Valadares, Badolato mostrou uma árvore inclinada, apoiada na fiação, segundo ele, uma “tragédia anunciada”:

— É assustador. Essa rua tem uma feira livre às sextas, e é uma das mais movimentadas do bairro.

No bairro desde 1982, o engenheiro aposentado Cláudio Martins perdeu o seu aparelho de microondas:

— Da última vez foram três picos de energia seguidos. Decidi não acionar a Light, pois há muita burocracia e perda de tempo. E o conserto custou R$ 100. Sempre que acaba a luz pela primeira vez, temos por hábito desligar a chave para evitar esse tipo de problema. Além de ter um pacote de velas sempre à mão.

O engenheiro eletricista Fernando José da Silva, de 54 anos, cita outro sinal da falta de cuidados com a fiação elétrica: os postes tortos e enferrujados, além de chaves e transformadores nessa mesma condição.

— É muito descaso. Eu já perdi vários equipamentos eletrônicos, como ar-condicionado, computador, geladeira, e fui obrigado a acionar o serviço de danos elétricos do seguro duas vezes — conta Silva, ressaltando que o problema não é exclusividade do Grajaú. — No Alto da Boa Vista e em vários trechos da Tijuca mais arborizados esse transtorno também é comum. Eu entendo, mesmo sem aceitar, que a Light não queira fazer a mudança para fiação subterrânea. O custo é alto, mas poderia ser diluído se sua realização se desse em etapas. Providências como inserir a baixa tensão, providenciar os cuidados com equilíbrio das árvores e uma manutenção preventiva adequada melhorariam o quadro geral, sem grandes projetos. Na verdade os custos estão embutidos no valor que pagamos pelo serviço de distribuição de energia.

Mais de uma semana após a tempestade, que chegou a ter rajadas de vento de 80 Km/h, ainda havia vestígios dos danos. Amontoados de folhas se espalhavam por várias ruas, algumas ocupando vagas inteiras e impedindo a passagem pelas calçadas. A Comlurb informou que “quando há chuvas e ventos fortes, a limpeza é reforçada” e que “no momento, há grande quantidade de folhas e árvores que estão sendo removidas na varrição”.

Rede do bairro saiu do papel

Segundo Fernando José da Silva, um decreto da prefeitura de 2011 obrigava a Light a instalar a fiação subterrânea na cidade, mas a concessionária recorreu ao STF e, desde 2013, vale-se de liminar suspensiva à decisão.

— A Light perdeu nos tribunais regionais, mas, no Supremo, acabou ganhando a liminar — explica o engenheiro eletricista.

Equipamentos para a fiação elétrica subterrânea chegaram a ser instalados em algumas ruas do bairro, dando esperança aos moradores de pôr fim aos problemas. Isso aconteceu no final dos anos 1990, quando várias ruas do entorno do Largo do Verdun receberam tubos de plástico que serviriam de base para uma posterior fiação subterrânea.

— Isso foi na época do programa Rio Cidade. Infelizmente o projeto não andou. Ao contrário, essas intervenções que não foram adiante nos trouxeram outros problemas, já que, atualmente, esses equipamentos servem de moradia para ratos e insetos — lamenta Silva.

Por meio de nota, a Light confirmou a iniciativa, por parte da prefeitura, de levar adiante projeto que previa a conversão da rede aérea para subterrânea em alguns bairros da cidade. No entanto, o serviço não foi concretizado. E as estruturas subterrâneas que foram construídas na ocasião continuam sob responsabilidade do município.

Em relação a uma possível instalação de rede subterrânea nos dias atuais, a Light informou que “no momento não há projeto previsto”, apesar de ser responsável pela “maior rede subterrânea do Brasil”. A concessionária acrescentou que mantém um plano de manutenção preventiva de toda a rede elétrica, afirmando que, na região do Grajaú, especificamente, a empresa está instalando equipamentos elétricos automatizados para diminuir o impacto, caso haja falta de energia. Em relação às podas no bairro, a concessionária explicou que só este ano já foram realizadas cerca de 1.300.

Quanto à questão do ressarcimento por danos a aparelhos elétricos/eletrônicos, a Light informa que o cliente pode solicitar a indenização em uma de suas agências comerciais, ou por meio da Agência Virtual (www.light.com.br/ressarcimento). Acrescenta que o pedido deve ser realizado pelo titular da conta, que também precisa apresentar a nota fiscal do aparelho danificado ou o orçamento de empresa autorizada.

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