Só doentes que já passaram por cirurgia estão sendo atendidos em unidade da Tijuca

Fonte por Márcio Menasce, Flávia Junqueira e Antônio Werneck para Jornal O Globo

A crise financeira do estado está aumentando o sofrimento de pacientes que precisam de transplantes de rim ou de fígado. Instalado no Hospital São Francisco na Providência de Deus, na Tijuca, o Centro Estadual de Transplantes (CET) está funcionando de forma restrita. Só os doentes que já passaram por cirurgia estão sendo atendidos, como informou Ancelmo Gois em sua coluna no Jornal. No fim de semana, dois pacientes foram transferidos para fazer transplantes em outras unidades.

O contrato do estado com a organização social (OS) Lar São Francisco, que gerenciava o CET, foi suspenso. Com isso, os transplantes passarão a ser feitos pelo próprio Hospital São Francisco na Providência de Deus, que será credenciado no Sistema Único de Saúde (SUS) para receber recursos do governo federal. A Secretaria estadual de Saúde diz que, com a mudança de gestão, o governo vai economizar R$ 6,5 milhões por mês. De acordo com o blog Emergência, de Daniel Brunet, o estado pagava à OS R$ 275 mil em média por transplante, enquanto o SUS reembolsa R$ 27.622,67 pelo de rim e R$ 68.838,89 pelo de fígado.

Além de transplantes, a OS fazia cirurgias cardíacas e vasculares. Prestava ainda atendimento a portadores do vírus da Aids. Com a rescisão do contrato entre o governo e a OS, a direção do Hospital São Francisco confirmou ontem, em nota, que passou a atender apenas ambulatorialmente os pacientes já transplantados, bem como os que se encontram inscritos na fila de espera de transplantes. Também revelou que continua internando os doentes já transplantados que, porventura, apresentem problemas. Ainda segundo a unidade, os transplantes renais e hepáticos serão mantidos.

A crise no atendimento do local começou em 2015, quando o serviço do Centro Estadual de Trauma do Idoso, também mantido pelo governo do estado, foi retirado do São Francisco e distribuído a outras unidades da rede pública. Em junho passado, foi a vez de o serviço de cardiologia ser suspenso. Desde o ano passado, o atendimento já estava prejudicado. Os pacientes estão sendo orientados a procurar outras unidades, como o Hospital estadual de Cardiologia Aloysio de Castro, no Humaitá. Já o serviço de infectologia foi transferido para o Iaserj do Maracanã. Em 2015, 800 portadores do HIV eram atendidos na unidade.

Nem o Hospital São Francisco, nem o estado informaram se o número de transplantes agora será o mesmo realizado antes pelo CET. Enquanto a mudança está em processo, pacientes não estão conseguindo agendar consultas preparatórias para a realização de novas cirurgias. Além disso, o agendamento de exames de maior complexidade não está sendo aceito.

Com a crise, o estado já tinha reduzido os repasses mensais para a OS, a partir de janeiro, de de R$ 9,5 milhões para R$ 6,5 milhões. Este ano, o governo já liberou R$ 36,4 milhões. Entre janeiro e agosto, foram feitos 132 transplantes, sendo 93 de rim e 39 de fígado. Outros R$ 3,5 milhões do estado foram gastos pela OS em procedimentos cardíacos e tratamento contra a Aids.

Unidade é Referência Nacional

Criado em 2013, o CET passou rapidamente a ser o principal responsável pelos transplantes hepáticos e renais no Rio, sendo referência nacional. De acordo com o site do Programa Estadual de Transplantes, em 2015, dos 232 transplantes de fígado feitos no estado, 98 foram realizados no CET. O Hospital Adventista Silvestre foi o responsável por outros 104. Também no ano passado, dos 478 transplantes renais do estado, o CET fez 241.

Com a decisão de mudar a gestão da unidade, não estão sendo agendados novos transplantes. Já o atendimento dos pacientes cardíacos e soropositivos que era feito pela OS, segundo a Secretaria de Saúde, está a cargo agora de outras unidades da rede pública estadual.

Por enquanto, quem paga o preço pela crise e pelas mudanças de gestão são os pacientes. A agente comunitária de saúde Cristina Lopes de Castro, de 47 anos, passou por um transplante renal há um ano e quatro meses no CET. Ontem, ela foi ao hospital para uma consulta de rotina e ouviu de sua médica que já não pode mais agendar alguns dos exames mais complexos que precisa fazer a cada três meses.

— Agora não sei onde vou conseguir esses exames. Tenho a imunidade muito baixa. O tempo todo pego vírus e bactérias. No mês passado, fiquei 22 dias internada aqui por causa de um vírus. Agora, nem a internação estão fazendo mais. Já não sei o que fazer. Dependo desse tratamento para o resto da vida — conta ela.

A promotora de vendas Simone Ribeiro, de 41 anos, portadora do HIV, ao buscar parte de sua medicação no hospital ontem, recebeu notícia semelhante de seu médico.

— Ele me disse que o hospital já não está agendando mais consultas, nem exames para tratamento de soropositivos. Descobri a doença há três anos, e há pouco mais de um ano me trato aqui. Agora, a única coisa que sei é que não vou ter esse tratamento por tempo indeterminado, como me informaram — diz Simone.

Segundo o chefe da nefrologia e do serviço de transplante renal do Hospital Federal de Bonsucesso, Luiz Fernando Christiani, são cerca de mil pacientes aguardando por um rim no Estado do Rio. Só na unidade, são 250 pessoas já com os exames pré-operatórios prontos e outras cem em preparação:

— Este ano, já fizemos 52 transplantes de rim. Estamos um pouco abaixo do número do ano passado, quando transplantamos cerca de 80, e longe de atingir nossa capacidade plena. Podemos fazer dois transplantes por dia, mas precisamos que as famílias autorizem as doações.

Segundo um levantamento da Comissão de Tributação da Alerj, até o início deste ano, dez organizações sociais e uma empresa de gestão compartilhada tinham contratos firmados com a Secretaria de Saúde para administrar 45 unidades de saúde.

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