No rastro de confrontos que deixaram 6 jovens mortos, a Justiça impôs regras às ações policiais na Maré. Em operação na Mangueira, PM usa ossada semelhante a uma caveira de cabra no uniforme.

Por Rafael Galdo para O Globo

RIO – Após sofrer cortes e ser considerado uma carta fora do baralho, o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) está de volta aos planos da segurança pública do estado.

O governo Wilson Witzel estuda recuperar a estrutura física das sedes em comunidades, a exemplo da Mangueira, e, inclusive, parte do efetivo que vem minguando desde o ano passado. A proposta é defendida pelo secretário de Polícia Militar, general Rogério Figueredo de Lacerda. Mas encontra resistência na própria corporação e entre deputados estaduais aliados.

Marcas da violência: cápsulas deflagradas numa das vielas do Morro da Mangueira, onde PMs entraram em confronto nesta quarta-feira com traficantes que atacaram a sede da UPP. Na operação, um homem foi morto Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

Hoje, são 29 UPPs em operação, após a reestruturação promovida ano passado pela intervenção federal, que extinguiu nove delas. Desde as eleições, o próprio Witzel criticava o projeto, que ele propunha remodelar. Em maio, ele chegou a dizer que “as UPPs ajudaram, ao invés de prender a criminalidade a esparramá-la pelo estado”.

“As UPPs foram construídas de forma atabalhoada, com péssimas condições para os PM. Vamos reestruturá-las”

WILSON WITZEL

Governador do Rio

— As UPPs foram construídas de forma atabalhoada, com péssimas condições para os PM. Vamos restruturá-las. A UPP É um importante programa que precisa ser mantido. Vamos aprimorá-lo, com serviços de assistência social — disse ontem o governador.

Entre as melhorias propostas, Figueredo propõe a substituição dos contêineres usados como sedes de UPPs por construções de alvenaria, a recomposição do contingente de policiais e a reposição de viaturas, armamentos e coletes balísticos.

Num evento em maio, ele apontou o possível uso de verbas transferidas do Ministério Público do Trabalho, oriundas de multas trabalhistas, para fazer as obras.

“Atualmente, as UPPs se parecem mais com minibatalhões nas comunidades, longe de sua concepção original de polícia de proximidade”

IGNACIO CANO

Sociólogo e professor da Uerj

Ontem, a PM não deu detalhes sobre as propostas de Figueredo. Sociólogo e professor da Uerj, Ignacio Cano, no entanto, afirma que não bastam obras para dar novo fôlego ao projeto:

— Atualmente, as UPPs se parecem mais com minibatalhões nas comunidades, longe de sua concepção original de polícia de proximidade. A política atual do governo, que estimula o confronto, também vai na contramão dessa ideia.

Já o presidente da Associação de Oficiais Militares Estaduais do Rio (AME/RJ), coronel Fernando Belo, concorda com os planos do secretário da PM, mas ressalta que as UPPs precisam de correções de rumos:

— Não há como pacificar uma comunidade se apenas a polícia estiver presente.

Enquanto isso, na Assembleia Legislativa (Alerj), o projeto de lei 4.395/18, de autoria do deputado Rosenverg Reis (MDB) e que aguarda uma segunda votação, determina a extinção das UPPs. A proposta de recuperação dessas unidades é criticada, inclusive, por governistas como o deputado Bruno Dauaire (PSC, mesmo partido de Witzel):

“A UPP é um projeto falido com a cara do (ex-governador Sérgio) Cabral. Não tem lógica investir em algo que já se mostrou ineficiente”

BRUNO DAUAIRE

Desputado estadual

— A UPP é um projeto falido com a cara do (ex-governador Sérgio) Cabral. Não tem lógica investir em algo que já se mostrou ineficiente.

Jaime Miranda, Presidente da ACIT/Nova Tijuca – Associação Empresarial e de Moradores da Grande Tijuca.

Jaime Miranda, Presidente da Nova Tijuca, lembra que durante anos enquanto as UPPs da Grande Tijuca tiveram os seus efetivos completos, a região ficou livre da ocorrência de tiroteios.

— A UPP acabou com os confrontos e mortes de PMs e inocentes que tínhamos aqui na Grande Tijuca por conta da sua ocupação. Ela ao ocupar o território acabou com os confrontos, não tínhamos mais tiroteios, não morriam mais PMs, não morria mais inocente, não morria mais ninguém.

— E os índices de criminalidade e de roubos diminuíram muito por conta da extinção da zona de conforto que o bandido tinha, que era a de roubar e voltar para a comunidade. Na época da UPP funcionando, o bandido não tinha como voltar para a comunidade.

“O que deu errado foi o uso eleitoral da UPP com uma expansão inconsequente.”

JAIME MIRANDA

Presidente da ACIT/Nova Tijuca

Mas Jaime ressalta os principais motivos que contribuíram para o declínio do projeto:

— O erro, em minha opinião, foi a UPP ter entrado só com a Polícia. Faltou o Estado entrar com os serviços essenciais, como fornecimento de água, luz, saneamento básico, oferta de emprego… A proposta da UPP é de Polícia de Proximidade, com profissionais preparados para esse trabalho, fazendo um trabalho de prevenção. E não atuar como uma Polícia de enfrentamento.

— Além disso, o que deu errado foi o uso eleitoral da UPP com uma expansão inconsequente. Não tinha condições de expandir, de crescer o número de UPPs como foi feito porque não tínhamos efetivo e nem material suficientes para isso. Eles sabiam que não teriam condições de manter essa estrutura. E foi o que aconteceu.