Militante. Aos 33 anos, Pedro Cantalice luta pela cultura do cavaquinho desde os 15 – Leo Martins / Agência O Globo

Pedro Cantalice será o músico do país diplomado no clássico instrumento do samba

Por Gabriel Menezes para O Globo

— Um dos instrumentos mais característicos da Música Popular Brasileira — especialmente no Rio de Janeiro, onde é presença obrigatória em estilos como o samba e o choro — o cavaquinho vai ganhar, a partir do mês que vem, o seu primeiro músico com curso superior do Brasil (e, até onde se tem notícia, do mundo). O pioneiro é Pedro Cantalice, morador de Vila Isabel, um dos alunos do curso de bacharelado no instrumento, criado em 2011 na Escola de Música da UFRJ — instituição que está completando 170 anos de existência em 2018.

O seu recital de formatura está marcado para o dia 5 de julho, às 16h, na Casa de Rui Barbosa (Rua São Clemente 134, Botafogo. Tel.: 3289-4600), com entrada franca e classificação livre.

— É uma honra muito grande ser o primeiro a conquistar esse diploma. Creio que este instrumento, tão popular na nossa cultura, sempre foi muito estigmatizado. Então, poder fazer parte da sua introdução no mundo acadêmico sempre foi uma questão até mesmo ideológica para mim — conta o músico.

Pedro, hoje com 33 anos, começou a aprender cavaquinho aos 15, influenciado por grupos de samba como Fundo de Quintal e o bloco Cacique de Ramos.

— Em 2005, entrei para a Escola Portátil de Música e mergulhei no universo do choro, o que ampliou muito os meus horizontes musicais. Pouco tempo depois, fiz um curso de editoração de partituras na Escola de Música Villa-Lobos e fui trabalhar na Academia Brasileira de Música, onde tive muito contato com músicos de concerto — diz Cantalice.

Para o recital de formatura, ele preparou um repertório que mostrará as diferentes possibilidades do instrumento, tanto no estilo popular quanto no erudito. Uma das obras, inclusive — ainda inédita —, foi feita pelo compositor Ricardo Tacuchian especialmente para Cantalice: o título é “Salsa e cebolinha”.

— O encerramento será com o clássico “Pedacinhos do céu”, de Waldir Azevedo, acompanhado por uma orquestra de cordas, com regência do maestro Vilane Trindade — adianta o artista.

Ele, também, já tem planos para depois que conseguir o tão buscado canudo com o diploma de bacharel. Um dos principais é seguir com um trabalho de pesquisa chamado “Memória do cavaquinho brasileiro”, em que aborda a história de compositores e métodos relacionados ao instrumento.

— A minha ideia é transformar todo esse material numa página para a internet, talvez — destaca.

Para o professor e um dos idealizadores do curso da UFRJ, o cavaquinista Henrique Cazes, a formatura de Cantalice é um marco para a música brasileira:

— O que eu sempre falo para os meus alunos é que a construção desse curso é algo que precisa ser feito por muitas mãos. Ao contrário do bandolim, que também ganhou um bacharelado recentemente na universidade, o cavaquinho não tem um vasto material de concerto e pesquisas. É um processo muito novo academicamente, então temos muito o que produzir. O pedro, ao longo desses quatro anos, foi um colaborador imprescindível — observa.

Cazes explica que o instrumento chegou ao Brasil trazido pelos portugueses da cidade de Braga, e que há registros da sua presença no país a partir do século XVIII. Por conta do tamanho pequeno e da facilidade de transporte, veio em grandes quantidades e logo espalhou-se pelas ruas do Rio de Janeiro. Mas, o grande destaque do cavaquinho como instrumento solo na Música Popular Brasileira ocorreu em meados do século XX, com o sucesso mundial do compositor Waldir Azevedo, autor de clássicos como “Brasileirinho” e “Delicado”, e um fenômeno de vendas de discos da época. O músico, por sinal, é o tema do segundo ano inteiro do curso de bacharelado.

— O universo do cavaquinho está evoluindo muito rapidamente nos últimos anos. A formatura do Pedro é apenas um dos fatos que comprovam isso. Assim como ele, há toda uma nova geração de músicos bastante entusiasmada e com foco nos estudos profundos do instrumento — conclui Cazes.