Historiadora. Lili Rose, autora do livro “Tijuca de rua em rua”, de 2005 – Pedro Teixeira

Livros já publicados e outros prestes a serem lançados abordam peculiaridades e histórias pouco conhecidas da região

Por Maurício Peixoto para O Globo

Você sabia que o Conde de Bonfim era o pai do Barão de Mesquita? Ou que ainda há resquícios do antigo cais e da represa do Rio Maracanã? Essas e muitas outras curiosidades sobre a Tijuca podem ser encontradas em publicações produzidas por pesquisadores apaixonados pela cidade e pelo bairro, especificamente. Entre eles estão a professora e historiadora Lili Rose, autora do livro “Tijuca de rua em rua”, lançado em 2005; e o advogado e ambientalista Francisco Carrera, que está prestes a lançar “Rios do Rio”, um panorama sobre o cenário hídrico carioca.

Nascida e criada na Tijuca, Lili publicou, junto com o então administrador regional da época, Nelson Aguiar, o livro com 255 páginas, um sucesso até hoje, fonte de consulta de várias gerações.

— Foram três edições em 2005, um total de 13 mil exemplares, todos vendidos. Muita gente liga e manda e-mail até hoje, toda semana. Quero reproduzir mais cópias — afirma Lili.

O livro aborda a origem dos nomes das ruas, as histórias dos homenageados e a sua importância para a região. Foram três anos de pesquisas em arquivos pessoais, revistas, jornais, museus e bibliotecas, além de entrevistas com as famílias dos homenageados e incursões Tijuca afora em busca de informações com antigos moradores.

— Descobri, entre outras coisas sensacionais, que o conde de Bonfim era pai do barão de Mesquita, que a casa do desembargador Isidro era exatamente onde é a Praça Saens Peña, e que as ruas no entorno da Rua Pareto são homenagens feitas pelo próprio doutor Pareto, empresário italiano dono das terras do local, a membros da sua família. A Rua Santa Sofia homenageia sua mãe; a Praça Hilda, sua mulher; e a Travessa Vitório Emanuel, seu pai — revela a pesquisadora. — Também há homenagens a pessoas que nunca pisaram no Brasil, como é o caso do empreendedor americano Henry Ford.

Histórias sobre o hino e o brasão do bairro, a passagem dos jesuítas e corsários franceses, os ciclos da cana de açúcar e do café, o reflorestamento da Floresta da Tijuca, os bondes, a antiga Cinelândia da Saens Peña, os clubes, a relação do bairro com a música e o samba, as antigas casas de veraneio dos barões, os grandes colégios, as fábricas e lojas que marcaram época e os hospitais religiosos estão todas no livro.

— Tem uma passagem curiosa sobre os corsários franceses. Eles tentaram invadir, em 1710, a Baía da Guanabara, e por não conseguirem, entraram por Barra de Guaratiba. Foram a pé até Jacarepaguá e seguiram pelo Maciço da Tijuca e o Caminho dos Macacos (atual Vinte e Oito de Setembro) e chegaram à Igreja de São Francisco Xavier, antes de partir para Santa Teresa, onde encontraram resistência e foram derrotados. Fontes históricas dizem que eles roubaram e saquearam a igreja, outras dizem que não — conta ela.

A historiadora também encontrou diários de freiras do Colégio Santos Anjos.

— Houve um feriado excepcional no colégio no dia em que o presidente argentino Roque Sáenz Peña saiu de carreta da praça até o Alto da Boa Vista, e elas foram até a Conde de Bonfim com bandeirinhas da Argentina para saudá-lo. Outra passagem fala sobre a saída das freiras, de bonde, para se confessar no Largo do Machado, no dia em que houve a Revolta da Armada e uma confusão generalizada na rua. Não tendo como voltar, as freiras dormiram em um convento só de homens — relata a historiadora.

A tijucana também fez um livreto, a pedido do Metrô Rio, sobre o centenário da Praça Saens Peña, em 2011, contando sobre a sua história e suas características. Nele, é reproduzido uma carta histórica de Dom Pedro I à sua amante Marquesa dos Santos, em 1826, que revela:

— D. Pedro diz que estava vindo da região da Fábrica das Chitas e do Papel. Ou seja, na Fábrica das Chitas funcionou também uma fábrica de papel, mas ela não foi adiante, fechando logo. Mostra também que a a Tijuca abrigou uma das fábricas pioneiras do Brasil, inaugurada em 1820/1821.

A historiadora está produzindo duas apostilas de roteiro turístico sobre o bairro para alunos da rede pública.

O professor, advogado e ambientalista Francisco Carrera, morador do Grajaú, lançará, em meados de agosto, o primeiro volume do livro “Rios do Rio”, que aborda a origem dos nomes dos córregos, as nascentes, fatos históricos importantes e questionamentos sobre o futuro dos rios de toda a cidade. Serão lançados adiante mais dois volumes. Foram nove meses de pesquisas em livros históricos, cartas hidrográficas antigas e arquivos da prefeitura e do Comitê de Bacias Hidrográficas, além de entrevistas.

— Para mim a Tijuca é o bairro do que mais tem conexão histórica com os seus rios. Ele cresceu seguindo o curso deles. As primeiras fábricas da cidade e as primeiras chácaras nasceram aqui e ao lado delas foram crescendo as moradias — afirma Carrera.

Ele documentou, entre outros fatos, que há resquícios de cais de aportamento para pequenas embarcações atrás do Centro de Referência da Música Carioca; de escadas usadas para as pessoas descerem até o rio para lavarem roupas; de paredes em cantaria; e de uma pequena represa utilizada pela extinta Fábrica Souza Cruz, todas no Rio Maracanã.

Ele fala também sobre a origem dos nomes dos rios:

— Maracanã vem de uma arara denominada pelos índios de Marakana, que era muito abundante aqui. Trapicheiros é devido a vendedores chamados assim que ficavam à beira-mar, na Zona Portuária, aguardando as mercadorias chegarem e depois saiam pela cidade vendendo. Muitos vinham de embarcação pelo rio — finaliza Carrera.