Funcionários, moradores e antigos frequentadores que estarão na ceia natalina coletiva – Pedro Teixeira/ O Globo / Pedro Teixeira

Evento foi criado na década de 1970 por personagem do bairro

Fonte por Maurício Peixoto para Jornal O Globo

“Quem põe não tira nesta ceia popular. Sou do morro a nobreza e de quem quiser amar”. Os versos do samba-enredo de 1994 da Unidos de Vila Isabel, que homenageou o próprio bairro com o tema “Muito prazer! Isabel de Bragança e Drumond Rosa da Silva, mas pode me chamar de Vila”, estão estampados nas mesas da Chopperia Sempre Vila Bar e Restaurante. Um trecho da letra desse mesmo samba faz referência a uma tradição do bairro, esquecida há tempos, e que vai voltar com tudo este ano: o “Quem tem põe, quem não tem tira”, ceia natalina popular aberta à comunidade.

Com desenhos de figuras marcantes da história de Vila Isabel espalhados pelas suas paredes, o Sempre Vila, inaugurado há poucos meses na esquina onde antes existia o Petisco da Vila, faz questão de exaltar a boemia local. Morador do bairro há 56 anos, desde os 8 de idade, e frequentador há décadas da esquina mais famosa do bairro (Boulevard Vinte e Oito de Setembro com Visconde de Abaeté), o engenheiro Rui Amorim é testemunha do surgimento do “Quem tem…”

— A ceia foi criada no início dos anos 1970. Tinha um amigo nosso chamado Zeca Duque, que fazia aniversário na véspera de Natal. Era de lei comemorarmos fazendo uma grande ceia nessa esquina. Muita gente chegava junto, principalmente moradores de rua, que, famintos, vinham beliscar alguma coisa. Havia pessoas do nosso grupo que reclamavam da presença dessas pessoas. Uma lenda aqui de Vila Isabel, chamada Perna, um senhor que tinha um coração imenso, não gostou dessa reclamação. Com isso, ele teve a ideia de, no dia 23, fazer essa ceia farta popular para deixar o Natal dessas pessoas um pouco mais feliz, o que acabou se tornando um marco para o bairro — explica Amorim, acrescentando que a festa passou a agregar também pessoas que não passavam necessidade, num grande congraçamento. — A ceia era farta, não faltava nada para ninguém. Então tinha gente que vinha com as suas famílias comer conosco. Foi uma das manifestações culturais mais bonitas que já aconteceram no nosso bairro até hoje, sem dúvida.

O “Quem tem põe, quem não tem tira” durou até meados anos 1980, quando a saúde de Perna começou a ficar debilitada, devido ao diabetes. Ele morreu em 1991, em decorrência das complicações relativas à doença, e o evento nunca mais foi reeditado.

— Há 15 anos, mais ou menos, chegamos a tentar fazer, porém esbarramos na logística, porque não tínhamos lugar para guardar as doações e nem tempo para recolhê-las — explica Amorim.

Agora, Jorge Arthur (o Arthur das Ferragens, que já ganhou disputas de samba diversas vezes na Vila Isabel), de 43 anos, dono da choperia, decidiu relembrar o evento, colocando à disposição o seu estabelecimento para guardar as doações. A ceia acontecerá neste sábado, a partir do meio-dia. Até o momento, já são mais de 50 pessoas que doaram alimentos e bebidas.
— Eu me lembro, na minha infância e adolescência, do pessoal fazendo a ceia do “Quem tem…” e de como isso ficava movimentado, com gente de todos os tipos. Sou um amante da Vila e estou disposto a promover tudo que possa relembrar coisas tradicionais do nosso bairro. Espero que seja um sucesso e que possamos sempre reeditar esse evento. O legal também é que não só o pessoal das antigas, mas também os moradores mais recentes compraram a ideia. Acho que o Perna, lá de cima, deve estar muito contente com essa iniciativa nossa — comemora Arthur.

Amorim fala sobre as semelhanças entre Arthur e Perna.

— Tanto pelo tamanho do coração quanto pela estatura, além da paixão pela Vila Isabel, eles têm tudo a ver— brinca, referindo-se à altura da dupla solidária, cada um com mais de 1,90 metro.

E por falar em tamanho de coração, Jorge Arthur, em parceria com a Souza Cruz, conseguiu arrecadar cerca de 80 brinquedos, entre bicicletas, carrinhos de controle remoto e outros itens que vão fazer a alegria da criançada carente. Eles serão distribuídos no sábado, às 18h, no Morro dos Macacos.

— Espero que, com essa ação, o Natal das crianças seja mais feliz — diz ele.

Além da ceia e da distribuição de brinquedos, uma árvore de Natal foi montada pelo estabelecimento na marquise, com direito a decoração e iluminação especiais e pisca-piscas em tons de azul claro, cor da Unidos de Vila Isabel. No estacionamento vizinho ao Sempre Vila, na Rua Visconde de Abaeté, dois bonecos infláveis gigantes de Papai Noel e boneco de neve ajudam a incrementar a decoração. Amanhã e sábado, das 18h às 21h, estará presente no estacionamento um Papai Noel para bater fotografias e fazer a alegria da criançada.

No dia 24, a casa funcionará das 9h às 16h. No feriado do dia 25, no entanto, o local não abrirá. Já na véspera de ano novo, quem levar um comprovante de residência, mostrando que é morador do bairro, pagará apenas R$ 2,99 pelo chope. O estabelecimento ficará aberto entre 9h e 16h.